Porque Hoje é Quinta Feira
Porque hoje é quinta feira. Mesmo que seja segunda, terça, quarta, sexta, sábado ou domingo.
Mas hoje é Quinta Feira. Talvez seja em homenagem a G K Chesterton.
Ou talvez seja só porque eu gosto de escrever crônicas justamente às quintas feiras.
A proposta é justamente escrever uma crônica sobre a cidade e seus personagens. No nosso mundo moderno as pequenas coisas da vida tem se tornado pequenas aventuras pelo mundo da fantasia.
08 de agosto de 2024 - A cidade Supreende
A cidade surpreende. No caminho um ipê rosa florido se esconde por trás de um gradil enferrujado. Não fosse uma pedra (literal, não a de Drummond) não teria eu reparado em sua fugaz e bela existência.
Volto a dizer: a cidade surpreende. Nos pega desavisados se nos deixamos desavisar, se desligamos alguns filtros importantes.
Caminhar nas calçadas portuguesas em obra, paraíso de engraxates (caso não restassem tão poucos) sou surpreendido, na minha vagareza em andar, em uma esquina por uma cafeteria montada dentro de uma banca de revista.
Apesar do tempo, sempre o tempo, paro e peço para fotografar. O proprietário, pelo menos suponho ser o proprietário, me pergunta para quê, onde eu respondo da forma mais espontânea possível: “Porque achei bonito”.
E registro o interior da banca, que já não pode ostentar o sobrenome “de revistas”, como quase todas as que ainda restam na cidade. Há poucas ou nenhuma revistas nelas.
Mas o café me faz sorrir. Talvez nem tanto pelo café, mas pelo conceito que foi se perdendo ao longo dos anos. Nesta capital, onde há décadas matamos um café por um MacDonalds (saudades do Pérola), ver que de alguma forma ele encontra abrigo no fim de uma geração de utilidade pública, e se as notícias já não correm impressas em jornais e revistas, talvez em uma prosa de esquina numa banca, que já foi de revistas, possa colocar um pouco mais de vida e de beleza.
Quiçá quando as calçadas estiverem todas devidamente no lugar e meu sapato com menos poeira eu ainda consiga diminuir o passo para ver Ipês Floridos e cafeterias em lugares inusitados.
Em uma quinta feira de agosto, na cidade de Belo Horizonte.
15 de agosto de 2024 - A Cidade Jardim - Ipês Amarelos e a Brisa
Cidade Jardim, Cidade Pomar
Há muito tempo (e bota tempo nisso!) Belo Horizonte era conhecida como Cidade Jardim. O Concreto obviamente foi desbotando essa frase, como uma pichação antiga da qual temos acesso somente à sombra dela, mas que ainda é possível ler algo.
Esse algo se esconde e o olhar precisa estar atento.
Em frente a antiga Imprensa Oficial é um exemplo de que a Cidade Jardim, em espírito, ainda existe e resiste. Um pé carregado de mamões, um pé de milho cheio, um aviso para não varrer que ali existe um jardim.
São as pequenas coisas feitas por pessoas invisíveis, em seus colchões, barracas, avisos escritos a mão e barbantes.
O olhar delas sobre a cidade é mais poético que o poeta que se senta no “Quartier Maletan” e observa a Av. Augusto de Lima por cima.
A cidade dos bares, dos moradores de rua, das bancas disfarçadas em cafés, a cidade que guarda cidades dentro dela…
Eu flanando de um ponto a outro da Av. Augusto de Lima posso observar com calma as cores, as faltas de cores e o verde, que apesar da cidade, continua a tentar formar um jardim, ou ao menos, um pomar.
22 de agosto de 2024 - Quinta Feira
Na pandemia, por diversos motivos criei o hábito de criar playlists aleatórias. Necessariamente não havia a necessidade de gostar de uma música , era só um formato simples de gerar uma relação de memória com algo que assistia, lia ou vivenciava (apesar deste último ser em menor grau, por questões óbvias.)
Hoje ouço essas playlists e acho uma viagem interessante, e bastante eclética, para ser trilhada.
Em uma matéria lida tempos atrás, o jornalista mostrava estudos que mostravam que com a inundação de informações que os tempos modernos, a globalização, a internet e os aplicativos, nosso cérebro precisaria criar novas formas de assimilação mnemônica para armazenar essas novas informações.
A música era uma das sugestões.
Adotei, meio que por instinto, apesar de achar que é uma forma pouco poética de lembrar de um ipê amarelo florido, ou da brisa que sempre marcou o mês de agosto.
Guardo a lembrança de ambos, da brisa e da queda das flores amarelas ainda nos idos da educação primária e seu caminho mais arborizado e periférico.
A relação com a música surge por uma necessidade de momento, de estar em dois lugares ao mesmo tempo, como lembrança de trechos de poemas, de imagens, de frases de livros ditas por personagens fantásticos.
E no meu caso, de um flipbook do Pernalonga. Talvez trate-se da minha memória mais antiga, mas desse pequeno livro aprendi importantes lições que servem para a vida. A primeira é que atrás do muro sempre pode existir alguma coisa melhor. A segunda é que ela nunca vem sozinha, e se pularmos o muro (hoje, pós Letras, diria que numa análise do discurso ficaria muito mais claro que o bem nunca vem sem o mal, mas ficar parado talvez seja um pouco medíocre) aceitamos as dádivas da descoberta e o preço que vem com isso.
Tenho mais memórias organizadas do período pandêmico, mas nem todas as músicas eu escolheria para minha playlist hoje.
Esse é o preço. Escrevo pensando na brisa e nos ipês de agosto, ciente de que os dois vieram de um tempo onde guardar memórias era um ato contínuo mais simplificado.