Editoriais
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Confesso que sou um leitor de jornais.
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Sempre me deleitei pelas páginas que tingiam as mãos de tinta negra para encontrar pequenas pérolas em formas de crônicas,quadrinhos, notícias bizarras e até mesmo obituários. Fiz da leitura desses periódicos uma rotina, enquanto ela pode durar.

Assim como os jornais matutinos devo ter conquistado uma prateleira de exibição para registrar em memorabilia hábitos que caíram no desuso pela sociedade que me pariu.

Em certa ocasião fui surpreendido por uma estagiária com cadernos e mais cadernos de um conhecido jornal espalhados por sobre minha mesa de trabalho, destrinchados e numa organização confusa, cujo entendimento pertencia apenas a mim e mais ninguém. Fui pego desprevenido no meu matinal exercício de leitura.

Tempos depois ela me confessou que nunca tinha conhecido um leitor assíduo de jornais impressos até então. Entre a autopsia da programação cultural do caderno de cultura já não era mais segredo meu hábito analógico.

Mas meu mal é maior do que ser apenas um leitor. Já antes mesmo de ter consciência de que faria isso de algum modo (ser um leitor) pulei já para a função escritor de minúsculos jornais escolares que, se não me trouxeram fama para além dos muros do meu ensino fundamental, certamente pavimentaram a minha vida, me armando ora com canetas ora uma máquinas datilográficas.

Hoje, caneta e máquina de escrever, fazem parte do rol de armas aposentadas de um museu que dia a dia se aproxima em me ter como peça viva para exibição.

Nesse ínterim, enquanto o mundo gira e as notícias se tornam grandiloquentes, resisto nestes balaústres da identidade comunitária, os jornais em blogs, os cadernos comerciais e os editoriais dos quais ninguém mais faz questão de ler.

O Editorial, essa arma poderosa, até poderia me proteger de dizer de forma contundente mais do que eu digo, não fosse a temerária frase legal que constitui um muro entre o que se diz e a realidade. Ela está lá estampada após cada assinatura seja o veículo um jornal, um portal de informações ou um site de televisão: “este texto não reflete necessariamente nossa opinião”.

Ora vejam bem, eu sendo o único veículo a ser referenciado caso fizesse uso dessa frase não poderia “por supoesto” atribuir a outra pessoa os pensamentos, as eventuais bobagens ou a péssima escrita que antecedem o meu nome e a minha assinatura.

Reservo, no entanto, o direito inalienável de datar tais palavras, pois assim como já foi dito certa vez, não atravessamos o mesmo rio duas vezes na vida, logo, minhas palavras em outros tempos também terão ritmo, profundidade e conteúdos diferentes a depender da época, do leitor e do contexto em que forem lida, sem que isso comprometa o cerne revolucionário e, porque não, petulante do que é escrever e ser parte de um editorial.

Editoriais são uma parte da história moderna humana, uma parte corajosa em retrospecto. Em um universo de incertezas os editoriais normalmente nos indicavam os caminhos que as demais páginas tendem a seguir.

Atualmente, no entanto, pode nos soar piegas ou equivocado um editorial publicado há apenas um ou dois dias. O tempo pode ser um juiz severo.

Nesse e nos próximos editoriais que se seguirão saibam que farei valer a máxima, ainda que impopular, de proclamar aos quatro ventos que enxergo gigantes onde outros insistem em ver moinhos de vento.

Escrevo para exorcizar esse sentimento de pequenez, de retrocesso. O tempo presente nos condena a vincular nossa esperança, não pela primeira vez, ao sucesso de um passado repaginado em uma quase superprodução hollywoodiana. Estamos privados desejado futuro melhor de verdade.

Como escritor não desejo nada exceto o esquecimento e a glória máxima do anonimato. De me tornar uma piada mal contada em pequenas rodas de amigos…

Registro aqui, não apenas em palavras, mas por meio dessa voz de taquara mineira (que talvez sobreviva a mim como testemunha de que vivi), que em tempos de muitos substantivos reatei minha vocação de adjetivar coisas, pessoas e situações.

Ainda que as coisas, pessoas e situações possam ser confundidas atualmente como sendo não vários, mas apenas um substantivo.

BHTE, 13 de fevereiro de 2022

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